Hepatite B

A infecção pelo vírus da hepatite B (HBV) é uma das infecções mais comuns e representa um grave problema de saúde pública, no Brasil e no mundo, devido à sua elevada morbidade e mortalidade.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou em 257 milhões (3,5% da população) o número de pessoas vivendo com infecção crônica e em 900 mil o número de mortes pelo HBV em todo mundo, em 2015. Os óbitos pelo HBV ocorrem, principalmente, devido à cirrose e ao carcinoma hepatocelular (CHC), com uma proporção atribuída à coinfecção pelo HDV1.

No Brasil, o Ministério da Saúde estima que cerca de 0,52% da população viva com infecção crônica pelo HBV, o que corresponde a aproximadamente 1,1 milhão de pessoas2.

As taxas de detecção de hepatite B apresentaram pouca variação nos últimos dez anos, atingindo 6,3 casos para cada 100 mil habitantes em 2019. Entretanto, quando analisadas as faixas etárias abaixo de 40 anos, observa-se um declínio nas taxas de detecção, o que pode ser atribuído, em parte, à introdução da vacinação para crianças a partir da década de 903.

Em 2020 e 2021, respectivamente, houve queda da taxa de detecção na população geral para 3,8 e 3,4 casos para cada 100 mil habitantes no país, a menor do período em análise4. Esses dados sugerem relação com a pandemia de covid-19, com forte impacto na organização dos serviços de saúde e acesso a ações de rotina, como a realização de testes e exames para detecção.

Muitas pessoas infectadas com HBV desconhecem seu diagnóstico, dificultando a interrupção da cadeia de transmissão. Além da ampliação do acesso à testagem, é importante que a população e os profissionais de saúde conheçam as principais formas de transmissão da doença, evitando exposições de risco e orientando corretamente a comunidade em relação às medidas de prevenção.

A Hepatite B é transmitida pela via sexual e pelo contato com sangue contaminado (via parenteral, percutânea e vertical). As principais formas de transmissão da Hepatite B no Brasil são:

  • Relações sexuais sem preservativo com uma pessoa infectada;
  • Da mãe com infecção para o bebê, durante a gestação ou parto;
  • Compartilhamento de seringas, agulhas e outros materiais para uso de drogas (ex. cachimbos, canudos);
  • Compartilhamento de materiais de higiene pessoal (lâminas de barbear e depilar, escovas de dente, alicates de unha ou outros objetos que furam ou cortam);
  • Na confecção de tatuagem e colocação de piercings, procedimentos odontológicos, cirúrgicos, médicos, hemodiálise, quando as normas de biossegurança não são atendidas de maneira adequada;
  • Por contato próximo de pessoa a pessoa (presumivelmente por cortes, feridas e soluções de continuidade);
  • Transfusão de sangue (mais relacionadas ao período anterior a 1993).

Em 2016, a OMS lançou uma estratégia global para eliminação das hepatites virais como problema de saúde pública até 2030, que visa a redução de novas infecções em 90% e da mortalidade atribuída às hepatites virais em 65%. Para tal, em relação à hepatite B, a OMS estabelece que deve-se alcançar uma taxa de cobertura vacinal em menores de um ano de 90%, incluindo a dose ao nascimento (aplicada preferencialmente em até 12 horas), diagnosticar 90%.

O HBV possui elevado potencial de causar infecções, superior em cerca de 10 vezes ao HCV e 100 vezes ao HIV, quando considerado o risco de transmissão por exposição percutânea ocupacional5. Além disso, o HBV pode se manter infectante em superfícies por até 1 semana em sangue seco à temperatura ambiente, o que contribui para a transmissão em ambientes relacionados à assistência à saúde, como em serviços de hemodiálise6.

O risco de cronificação da infecção pelo HBV é inversamente proporcional à faixa etária de exposição ao vírus, variando de 90% em recém-nascidos a menos de 5% em adultos imunocompetentes. Ademais, a cronificação é mais frequente em indivíduos imunocomprometidos.

A hepatite B crônica progride para cirrose e complicações de doença hepática terminal em cerca de 20% a 25% dos indivíduos infectados.

A incidência anual de carcinoma hepatocelular (CHC) é estimada em menos de 0,6% em não cirróticos e de 2% a 3%, naqueles com cirrose. Finalmente, pacientes cirróticos apresentam uma taxa anual de progressão para descompensação hepática estimada em 3%.

A detecção se da através de exame de sangue com as sorologias virais, alem de dosagem de enzimas hepaticas.

Como é a vigilância Sanitária dessas Hepatites?

As hepatites virais são doenças de notificação compulsória regular.

Todos os casos confirmados devem ser notificados e registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) em até sete dias. Portanto, todos os casos, incluindo surtos, devem ser notificados e registrados no Sinan por meio da “Ficha de Investigação das Hepatites Virais”, que deve ser encaminhada periodicamente ao órgão responsável pela vigilância epidemiológica local.

Considera-se caso confirmado de hepatite B para fins de notificação16,17 o indivíduo que:

As principais fontes notificadoras são:

  • Unidades de saúde
  • Hemocentros e bancos de sangue
  • Clínicas de hemodiálise
  • Laboratórios
  • Comunidades, escolas e creches
  • dentre outras.

A identificação de fatores de risco, o diagnóstico da doença e o encaminhamento adequado para o atendimento especializado conferem à Atenção Primária um papel essencial para o alcance de um melhor prognóstico e resultado terapêutico.

Para mais informações sobre o preenchimento da Ficha de Notificação/Investigação de Hepatites Virais, consulte o Instrucional de Preenchimento da Ficha e o Dicionário de Dados

Rastreamento da infecção pelo HBV

A infecção pelo HBV frequentemente apresenta evolução subclínica ou anictérica, sem sinais evidentes de hepatopatia até que haja o desenvolvimento de complicações – como cirrose e CHC, o que torna fundamental o rastreamento populacional.

A identificação de indivíduos com infecção permite a avaliação e o seguimento clínico, o aconselhamento sobre a doença e os cuidados para a redução da transmissão, a testagem de familiares e contactantes domiciliares e sexuais, e a decisão de tratamento, acompanhamento ou de profilaxia da transmissão ou da reativação viral. O diagnóstico precoce resulta em aumento da sobrevida e/ou da qualidade de vida das pessoas vivendo com HBV e na redução da carga de doença na população.

O rastreamento da infecção pelo HBV é realizado preferencialmente pela testagem para HBsAg por meio da coleta de sangue ou teste rápido (TR). O TR para hepatite B é uma tecnologia fundamental para ampliação do diagnóstico, pois fornece resultado imediato (em até 30 minutos) e não necessita de estrutura laboratorial para sua realização, o que permite sua execução nas unidades básicas de saúde, maternidades, campanhas de testagem, bem como em regiões remotas ou de difícil acesso.

Deve ser dado ATENÇÃO ESPECIAL A ESSES CASOS:

O rastreamento da infecção pelo HBV em pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHA) e/ou infecção crônica pelo HCV (que receberão tratamento com antivirais de ação direta – DAA), doença renal crônica dialítica, hepatopatia crônica ou CHC sem diagnóstico etiológico, usuários de drogas injetáveis (UDI), pessoas imunossuprimidas ou que serão submetidas à terapia imunossupressora e/ou quimioterapia, doadores de sangue, tecidos, órgãos ou sêmen deve ser realizado com dois marcadores: HBsAg e anti-HBc total.

Além da indicação de rastreamento do HBV ao menos uma vez na vida, por meio de testagem rápida ou realização da sorologia convencional de HBsAg, em todos os indivíduos acima de 20 anos de idade e suscetíveis, outra estratégia de rastreamento se baseia na priorização de algumas populações mais vulneráveis para infecção pelo HBV, conforme

Nesses casos, considera-se pessoas suscetíveis à infecção pelo HBV como aquelas que não foram vacinadas ou não tem o registro do esquema vacinal completo, ou aquelas que foram vacinadas, porém não apresentam títulos de Anti-HBs em níveis recomendados

ATENÇÃO: Não se recomenda a testagem para HBsAg dentro de quatro semanas após a aplicação de uma dose da vacina para hepatite B pelo risco de resultado falso-positivo pela presença do antígeno vacinal. Em pacientes dialíticos, esse período deve ser estendido para oito semanas.

O rastreamento com HBsAg e anti-HBc total (marcador de contato prévio ao vírus) está indicado para as seguintes situações:

  • Infecção pelo HIV (PVHA);
  • Infecção pelo HCV (que receberão tratamento com DAA);
  • Doença renal crônica dialítica;
  • Hepatopatia crônica ou CHC sem diagnóstico etiológico;
  • Uso de drogas injetáveis (UDI);
  • Imunossupressão ou para pessoas que serão submetidas à terapia imunossupressora e/ou quimioterapia;
  • Doadores de sangue, tecidos, órgãos ou sêmen.

Como se prevenir da Hepatite B

A vacinação é a principal medida de prevenção contra a hepatite B, sendo universal e gratuita no SUS.

Outros cuidados importantes para a prevenção da infecção pelo HBV incluem o uso de preservativo em todas as relações sexuais e o não compartilhamento objetos de uso pessoal, tais como:

  • lâminas de barbear e depilar
  • escovas de dente
  • material de manicure e pedicure
  • equipamentos para uso de drogas
  • confecção de tatuagem e colocação de piercings.

A vacinação contra a Hepatite B é a medida mais importante e eficaz para prevenção e controle da doença.

É um imunobiológico seguro e altamente eficaz pois, após a administração do esquema completo da vacina, resulta na produção em altos títulos de anticorpos anti-HBs, principalmente se aplicada na infância.

Desde 2016, a vacina hepatite B possui indicação universal no SUS, ou seja, está recomendada para toda população, independentemente da faixa etária ou da presença de vulnerabilidades. Apesar disso, a captação e o registro das informações, principalmente sobre a vacinação de adultos, e as baixas coberturas vacinais em crianças menores de um ano de idade são um grande desafio.

Atualmente, o MS, por meio do Programa Nacional de Imunizações – PNI, oferta a proteção contra a doença através da vacina Hepatite B recombinante, que pode ser aplicada em qualquer faixa etária e a penta (difteria, tétano, pertussis, hepatite B e Haemophilus influenzae B), indicada apenas para o público infantil.

Além disso, em situações especiais é ofertada a imunoglobulina humana anti-hepatite B.

Grupo especial de pacientes para receber a vacina para Hepatite B

Aém das PVHA, alguns grupos populacionais, incluindo a população pediátrica com essas condições, devem receber 4 doses da vacina com o dobro do volume recomendado para respectiva idade32,34, sendo:

  • Nefropatas crônicos pré-dialíticos ou em diálise;
  • Transplantados de órgãos sólidos;
  • Pacientes com neoplasias ou que necessitem de quimioterapia, radioterapia, corticoterapia;
  • Pessoas com outras imunodeficiências; e
  • Cirróticos.

Como saber se a vacina gerou anticorpos contra o vírus da Hepatite B

Testagem para avaliar resposta vacinal (anti-HBs). O teste sorológico pós-vacinal não é rotineiramente indicado para pessoas que não pertencem às populações mais vulneráveis devido à alta eficácia da vacina.

Além disso, não se recomenda testar anti-HBs em indivíduos sem a comprovação do esquema vacinal,

uma vez que os valores de soroproteção não foram validados para pessoas não vacinadas ou com esquemas incompletos.

A primovacinação induz concentração de anticorpos protetores em mais de 95% dos lactentes, crianças e adultos jovens saudáveis.

Após a vacinação, os títulos de anti-HBs decrescem com o tempo e mais de um terço das crianças vacinadas no primeiro ano de vida apresentarão títulos de anti-HBs abaixo dos níveis considerados protetores (igual ou maior a 10 mUI/mL), após dez anos do esquema.

Entretanto, isso não se traduz em suscetibilidade à doença. Há estudos que demonstram que indivíduos imunocompetentes mantêm imunidade e são capazes de estabelecer resposta imune protetora (definida como resposta anamnéstica), mesmo após a queda do título de anti-HBs e após décadas da primeira série de vacinas. Portanto, deve-se priorizar a realização de anti-HBs entre 1 e 2 meses após o término do esquema de vacinação completo, para aqueles que apresentam risco muito elevado de exposição ao HBV ou risco de perda da resposta de memória imunológica.

Tive contato com agulha ou situação perfuro cortante e agora?

Profilaxia Pós Exposição (PEP) para HBV.

A PEP para hepatite B consiste na execução oportuna de ações que envolvem o uso de insumos e medicamentos para reduzir o risco de infecção após uma exposição.

A hepatite B é uma infecção de transmissão parenteral, sexual e vertical. Os líquidos orgânicos, como sangue, sêmen, secreção vaginal e exsudato de feridas, podem conter o vírus e representam importantes fontes de infecção. Assim, a transmissão desse vírus pode ocorrer por solução de continuidade (pele e mucosas), via parenteral (compartilhamento de agulhas, seringas, material de manicure e pedicure, lâminas de barbear e depilar, tatuagens, piercings, procedimentos odontológicos ou cirúrgicos que não atendam às normas de biossegurança, entre outros) e relação sexual desprotegida, sendo esta última o principal mecanismo de transmissão dessa infecção no Brasil.

As ações de PEP para hepatite B requerem no uso adequado e oportuno da testagem para HBsAg (preferencialmente por teste rápido), vacinação contra hepatite B em indivíduos suscetíveis, administração de IGHAHB, quando necessário, e seguimento com realização dos testes HBsAg e anti-HBs, para avaliar existência de infecção ou a resposta imunológica por vacina.

No atendimento inicial de pessoa após exposição de risco para infecção pelo HBV caracterizada por exposição percutânea, mucosa ou sexual (incluindo situações de violência) de fontes com sorologia para HBsAg reagente ou desconhecida, deve-se realizar a testagem para HBsAg, preferencialmente com teste rápido, e avaliar a suscetibilidade à infecção. Pessoa suscetível é aquela que possui HbsAg (TR ou imunoensaio laboratorial) não reagente e que não possui registro de esquema vacinal completo com 3 doses aplicadas adequadamente ou, caso tenha avaliação de soroconversão, não apresente soroconversão para anti-HBs após dois esquemas vacinais completos (não respondedores).

Caso o teste para HbsAg apresente resultado não reagente em indivíduos suscetíveis, deve-se iniciar ou completar o esquema vacinal para hepatite B e avaliar a indicação de IGHAHB no mesmo atendimento.

Pessoas que comprovarem o esquema vacinal completo e/ou o resultado de anti-HBs igual ou maior que 10 UI/mL no momento do primeiro atendimento são consideradas imunes à infecção pelo HBV.

O DIAGNOSTICO E O TRATAMENTO SAO IMPORTANTES AFIM DE IMPEDIR EVOLUCAO PARA CIRROSE E CANCER DE FIGADO

O diagnóstico e o tratamento são importantes afim de impedir evolução para cirrose e câncer de fígado.

O tratamento específico pode ser feito com tenofovir, entecavir.

Os principais objetivos do tratamento

Os principais objetivos do tratamento de pacientes com infecção pelo HBV são aumentar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida das pessoas vivendo com esse agravo.

Esses objetivos podem ser alcançados pela prevenção da progressão da doença e, consequentemente, redução do risco de evolução para cirrose, insuficiência hepática, CHC) e mortalidade associada ao HBV48.

Outros objetivos da terapia antiviral são a prevenção da transmissão vertical, prevenção da transmissão ocupacional, prevenção da reativação do HBV em pessoas submetidas à terapia imunossupressora ou ao tratamento da hepatite C com antivirais de ação direta (DAA) e a prevenção e tratamento de manifestações extra-hepáticas associadas à infecção pelo HBV. Além disso, pacientes infectados candidatos ao transplante hepático utilizam AN, com ou sem IGHAHB, para prevenir a reinfecção do enxerto e recidiva da doença.

Para pacientes que já apresentam fibrose avançada ou cirrose, o tratamento visa a estabilização e/ou regressão da fibrose hepática. Para pacientes com CHC induzido pelo HBV, o tratamento com AN objetiva suprimir a replicação viral para prevenir a progressão da hepatopatia além de reduzir o risco de recorrência do CHC após o tratamento oncológico ou após o transplante hepático.

Já para pacientes com hepatite B aguda grave, o objetivo primário do tratamento é reduzir o risco de evolução para insuficiência hepática aguda ou subaguda, seguido da melhora da qualidade de vida pela abreviação dos sintomas

Tratamentos Disponíveis

Alfapeginterferona 2a (αpegINF): solução injetável contendo 180 mcg;

  • Entecavir (ETV): comprimidos de 0,5 mg;
  • Fumarato de tenofovir desoproxila (TDF): comprimidos de 300 mg;
  • Imunoglobulina humana anti-hepatite B (IGHAHB): ampolas de 100 UI, 500 UI
    ou 1.000 UI;
  • Tenofovir alafenamida (TAF): comprimidos de 25 mg.